A extrema ilha do Brasil

A extrema ilha do Brasil
julho 12, 2017 rafael duarte

 

Quando as hélices do helicóptero da Marinha começaram a girar para nos levarem para terra firme com nossos equipamentos depois de quatro dias navegando pelo Atlântico à bordo do navio Almirante Sabóia, o G-25, ainda não sabíamos que estávamos prestes a ser surpreendidos por um dos momentos mais especiais da expedição. O comandante Nelson Leite e a sua equipe aérea da Marinha do Brasil prepararam as boas-vindas da Miramundos na ilha com um 360o completo na ilha que teria sido vista pela primeira vez por volta de 1500, e que até hoje se guarda como um dos pontos pais desconhecidos do Brasil.

FOF_9098 - foto Flavio Forner

Aterrissamos no POIT (Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade) com ânimos à flor da pele e corações a mil. O giro aéreo foi de tirar o fôlego. Durante os quase cinco minutos no ar observamos de ângulos privilegiados cada um dos mais variados terrenos da ilha, que despertaram a curiosidade dos geólogos e geógrafos que estavam na equipe de pesquisadores do Pró-Trindade na mesma missão que a gente. Os mais sortudos (com projetos de longo-prazo), viveriam na ilha durante dois meses, até o próximo navio aparecer para reabastecer os marinheiros de mantimentos e trocar novamente parte do efetivo. Os primeiros seres que tivemos contato foram os caranguejos amarelos, que apesar de estarem na lista de animais com risco de extinção, a população deles é incrivelmente abundante por todo o perímetro, cobrindo o terreno rochoso de pontos aparelhos para onde se olha.

FOF_0023 - foto Flavio Forner

Imagine uma montanha de cerca de 6 mil metros de altitude submersa, uma espécie Monte Aconcágua 95% submerso, com apenas os 600m do seu cume para fora d’água. Assim é a Ilha da Trindade. Um formação vulcânica nascida no Cretáceo (há cerca de 117 milhões de anos) e que foi crescendo ao longo dos diferentes períodos, até finalmente aflorar há cerca de 3 milhões de anos. Segundo o geólogo Delzio Machado Júnior, que viajou com a gente, a última evidência de vulcanismo em Trindade ocorreu há pouco tempo, cerca de 6 mil anos. “Em tempo geológico, 6 mil anos não é nada. A última erupção aqui foi no Vulcão do Paredão, onde percebemos que parte da cratera erodiu. Aliás, estima-se que esta ilha já tenha alcançado 9 mil metros de tamanho total (cerca de 3 mil metros aflorados), mas hoje tem este tamanho por estar passando por um longo processo de erosão”, explicou o especialista, ressaltando que os picos da ilha são necks – chaminés – dos vulcões. Além da erosão natural da ação do mar, dos ventos, da chuva e do sol, como observamos claramente no ponto conhecido como “Túnel”, pequenos terremotos ainda ocorrem na ilha.

FOF_9123 - foto Flavio Forner

Por onde caminhamos em Trindade, é incrível a variedade de cores e tipos de rochas por todas as partes. Fruto de diferentes explosões com distintos tipos de magma ao longo dos anos. E o curioso é que a ilha que já foi coberta por uma floresta, hoje é praticamente toda devastada e erodida. Fruto do grande impacto ambiental da introdução de cabras que se instalaram e se proliferaram na ilha comendo toda a vegetação que puderam, até a Marinha retirar os caprinos do local.  A única planta que as cabras não conseguiram comer foram as samambaias gigantes (Cyathea copelandii), que tem um caule de até 7m de altura. Atribuem ao astrônomo Edmund Haley, aquele que conhecemos pelo cometa que levou seu nome, a introdução dos 600 primeiros animais que comeram (quase) tudo. Apesar deste fato, foram documentadas 120 espécies de plantas na ilha.

FOF_9166 - foto Flavio Forner

Por uma regra de segurança da Marinha, em precaução pela “onda camelo” – uma espécie de tsunami imprevisível com poder de arrastar tudo que estiver pela praia -, nós não tivemos autorização para mergulhar. Mas para matar a vontade de entrar em contato com a vida marinha naquelas águas límpidas cuja visibilidade pode alcançar até 60 metros, pudemos entrar em dois parcéis, que são espécies de piscinas naturais, que são protegidas. Na Ilha da Trindade, a visibilidade da água pode chegar aos 60 metros, oferecendo condições extremamente favoráveis para os investigadores que utilizam técnicas de observação subaquáticas nas suas pesquisas.

FOF_9123 - foto Flavio Forner

Por toda a parte, inclusive no cume da ilha, os caranguejos (Gecarcinus lagostoma) dominam o ambiente. Estes animais possuem hábitos terrestres, coloração amarelada e são considerados os “reis da ilha”, por causa da sua abundância. Também encontramos o aratú (Grapsus grapsus), camundongos e aranhas. Nos ares, espécies de aves marinha cruzam o azul do céu. As principais delas são as noivinhas e a viuvinhas, os fantasminhas (Gygis alba), as fragatas (Fregata ariel e F. minor), o atobá (Sula dactylatra), o benedito (Anous stolitus), a andorinha-do-mar (Sterna fuscata) e o famoso Petrel-de-Trindade (Pterodroma arminjoniana). Todas estas espécies se reproduzem por lá.

FOF_0039 - foto Flavio Forner

Outro animal muito importante para a fauna marinha da Ilha da Trindade, são as tartaruga-verdes (Chelonia mydas). Na alta temporada de desova, em apenas uma das cinco maiores praias da ilha, é possível encontrar 70 fêmeas cavando os seus ninhos e colocando os seus ovos em uma só noite. Desde 1982, o Projeto TAMAR (Projeto Tartaruga Marinha) faz o monitoramento das desovas que acontecem em todas as praias arenosas da ilha, sendo que 65% das ocorrências estão concentradas nas praias dos Andradas e Tartarugas. Tivemos a sorte de acompanhar o trabalho da equipe do TAMAR justamente na última semana da temporada de desova, que ocorre entre os meses de janeiro a março.

FOF_9036 - foto Flavio Forner

Nesta temporada 2016/2017, segundo a coordenação do projeto, foram realizadas quase 2077 abordagens a fêmeas em processo reprodutivo que botaram em média cerca de 120 ovos por ninho. Calcula-se uma média de aproximadamente 300 mil filhotes da tartaruga-verde, que está ameaçada de extinção e em fase de recuperação populacional, por temporada na Ilha da Trindade. Se a cada 1.000 apenas duas chegam à vida adulta, podemos estimar que cerca de 600 tartarugas que chegam à vida adulta desta espécie por ano são filhas da Trindade. Observamos, em cenas marcantes, que que fazem parte de um processo natural, que os caranguejos amarelos fazem emboscadas aos filhotes recém-nascidos que são capturados por suas garras assim que conseguem aflorar dos ninhos. Tornando um pouco mais difícil sua missão inicial de vencer a faixa de areia até o mar.

FOF_9334 - foto Flavio Forner FOF_9885 - foto Flavio Forner FOF_9158 - foto Flavio Forner

Na próxima e penúltima reportagem da série, vamos falar da nossa jornada ao Pico Desejado, ponto mais alto da ilha. A “Expedição Miramundos – Ilha da Trindade 2017” foi realizada a convite da Marinha do Brasil para a filmagem do documentário que tem patrocínio da AllStar Brasil Seguros, SPOT Brasil e Sobrebarba e apoio da GoPro, Mormaii e BT Bodytech.

Acompanhem e sigam @miramundos no Instagram e no Facebook.

.